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É FALSO DIZER QUE TRABALHAR MAIS HORAS EQUIVALE A MAIOR PRODUTIVIDADE
2019-03-18
RENASCENÇA
18 mar, 2019 - 07:00 • João Carlos Malta
Os países com maiores jornadas de trabalho não apresentam necessariamente maior produtividade. São os números que o provam, segundo o estudo “Desafios à conciliação família-trabalho”, promovido pela CIP e a ACEGE e divulgado esta segunda-feira.
A investigação levada a cabo pela Nova School of Business and Economis (Nova SBE) mostra que, apesar de a produtividade em Portugal ter um nível intermédio em comparação com as restantes economias analisadas, o país regista a jornada média de trabalho mais longa – quase 39,4 horas por semana.
Segundo este estudo, organizado por duas entidades ligadas aos empresários, “o excesso de horas de trabalho na produtividade poderá ter um efeito negativo indesejável para as empresas”.
O professor Miguel Pina e Cunha, professor da Universidade Nova SBE e especialista em gestão de mudança e estudos organizacionais, foi quem liderou a equipa de investigadores. Em entrevista à Renascença diz que "se a produtividade tivesse a ver com a quantidade de horas de trabalho, Portugal seria seguramente um dos países mais produtivos da Europa", algo que "os dados não demonstram".
"Perdemos muito tempo em coisas que não acrescentam grande produtividade ao que fazemos. Cultiva-se o presentismo, estar no local de trabalho, sem estar ativamente a fazer nada. Precisamos de melhor gestão, e de usar melhor as horas de trabalho que temos", explica.
"Se a produtividade tivesse a ver com a quantidade de horas de trabalho, Portugal seria seguramente um dos países mais produtivos da Europa", Miguel Pina e Cunha.
Há mais de 30 anos que há estudos sobre formas de conciliar o emprego e a família, mas a complexidade do tema dificulta a aplicação de medidas que favoreçam essa conciliação.
O exemplo das licenças de maternidade e paternidade (período, pagamento e fonte de financiamento) é prova disso: apesar de estarem definidas por lei, a sua utilização não é totalmente cumprida.
"Temos leis robustas, mas depois a questão é como é que se leva a lei à prática", avança o autor do estudo. "Do ponto de vista cultural temos alguns desafios, nomeadamente o de ajustar as mentalidades ao espírito da lei", acrescenta Miguel Pina e Cunha.
Outra das conclusões da investigação é que, apesar de a legislação laboral portuguesa prever situações que incentivam à conciliação - e apesar de certas empresas oferecerem medidas de conciliação - não é totalmente certo que os colaboradores as utilizem com frequência.
- falta de conhecimento sobre a legislação em vigor e os direitos já salvaguardados e à disposição dos trabalhadores;
- falta de conhecimento das medidas oferecidas nas suas organizações;
- atitudes e emoções negativas de resistência à sua utilização, por insegurança pessoal, receio de repercussões (informais) de chefias e colegas, receio de perda de oportunidade de progressão na carreira ou de perda do próprio emprego, entre outras;
- as organizações podem estar, sem conhecimento e intenção, a impedir a adoção generalizada destas medidas através da falta de comunicação interna e divulgação dos benefícios à disposição dos colaboradores;
- falta de exemplo das chefias na utilização de certas políticas;
- falta de apoio e de incentivo, entre outras.
Há essencialmente duas formas para analisar as relações entre família e trabalho: uma que as vê como conflituantes e outra como aliadas.
O estudo critica que haja, por alternativa, “pouco espaço público à informação e ao debate aberto, sem preconceitos ou argumentos polarizados, com representantes de vários agentes da sociedade”.
Elevado custo para a sociedade
A existência de conflitos entre as duas dimensões tem prejuízos para os vários atores sociais, a começar pelos trabalhadores, que sofrem em termos de saúde, evitam ou adiam ter filhos e não têm tempo para cuidar da família.
As empresas veem os gastos com a saúde dos colaboradores subir, o que leva a um aumento da rotação de trabalhadores e diminui a ligação do trabalhador ao empregador. Já os Governos, aponta o estudo da Nova SBE, também vão ver os gastos em saúde aumentar, o que perturbará a sustentabilidade da segurança social. A perda é de toda a sociedade, sobretudo ao nível demográfico.
Para avançar para políticas de conciliação, os investigadores recorrem a um trabalho de 2018 realizado pela Deloitte Global Human, em 60 países e junto de mais de 11 mil trabalhadores, que se propôs compreender quais as medidas de conciliação mais valorizadas, entre a flexibilidade horária, o teletrabalho e a prestação de cuidados a crianças.
"Temos leis robustas, mas depois a questão é como é que se leva a lei à prática", Miguel Pina e Cunha.
A maior diferença entre as expectativas dos funcionários em matéria de conciliação trabalho-família e as políticas oferecidas pelas empresas tem a ver com a prestação de cuidados a crianças no local de trabalho (45%) – 53% dos colaboradores gostariam de beneficiar desta medida, mas apenas 8% das organizações a oferecem.
Segundo o Employer Brand Research, num inquérito de 2018 junto das empresas com atividade em Portugal, os portugueses concordaram que os fatores mais importantes na escolha de uma empresa são, por ordem de concordância: salários e benefícios (66%), equilíbrio entre trabalho e vida pessoal (53%) e estabilidade no emprego (52%).
Em Portugal, há sete empresas lusas com diferentes dimensões, níveis de faturação e número de colaboradores que têm um ponto em comum: serem reconhecidas como promotoras de boas práticas de conciliação da vida profissional e familiar, através da certificação efr (entidade familiarmente responsável) da “Fundação Másfamilia”. São elas a Aveleda, Bel, EDP, Fidelidade Assistance, Morais Leitão – Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, Praxair e XZ Consultores.



Fotografia: Alex Kotliarskyi/Unsplash