Isabel Patrício
6 Julho 2021
O PS ajudou o PCP a provar um diploma que prevê a reversão de algumas das medidas laborais aprovadas pelo próprio PS, em 2019. Alargamento do período experimental pode, assim, vir a ser revogado.
Algumas das alterações ao Código do Trabalho aprovadas pelo PS, com a ajuda da direita, há dois anos, poderão agora vir a ser revertidas. Isto porque o mesmo PS decidiu viabilizar um projeto de lei do PCP que estabelece, por exemplo, a revogação do polémico alargamento do período experimental para jovens à procura do primeiro trabalho e desempregados de longa duração. Ao todo, são 11 as grandes mudanças à lei laboral propostas pelos comunistas no diploma que mereceu “luz verde” dos socialistas e que, por isso, desce agora à especialidade.
A 19 de julho de 2019, foi aprovada — com o voto favorável do PS e a abstenção de PSD e CDS-PP — a revisão do Código do Trabalho, que na base tinha um acordo assinado na Concertação Social entre Governo, sindicatos (à exceção da CGTP) e confederações patronais. As medidas incluídas nesse pacote mereceram duras críticas por parte dos partidos mais à esquerda, já que muitas das propostas que apresentaram (nomeadamente sobre o trabalho por turnos e a contratação coletiva) ficaram pelo caminho. “Não restou nada das propostas da esquerda neste processo“, disse o bloquista José Soeiro, na altura. E na mesma linha, José Luís Ferreira, do PEV, atirou: “Hoje é um dia mau para quem trabalha“.
Essas alterações ao Código do Trabalho viriam a entrar em vigor alguns meses depois (a 1 outubro do mesmo ano), mas agora, nem dois anos volvidos, o PS decidiu viabilizar um projeto de lei do PCP que poderá reverter algumas dessas medidas.
O polémico alargamento do período experimental
Uma das medidas polémicas que poderá agora vir a ser revertida é o alargamento do período experimental para os jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração.
Antes da revisão da lei laboral de 2019, a estes dois grupos de trabalhadores aplicava-se um período experimental de 90 dias, exceto nos casos em que desempenhassem cargos de “complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança”, cargos de direção ou quadros superiores.
Contudo, a partir de 2019, e à revelia da esquerda, esse período passou para 180 dias, tendo BE, PCP e PEV pedido a fiscalização sucessiva de tal alargamento. A resposta do Palácio Ratton chegou este ano. Os juízes consideraram o alargamento constitucional, exceto no caso dos trabalhadores à procura do primeiro trabalho que já tenham sido contratados a termo, anteriormente, por pelo menos 90 dias.
Ou seja, para estes últimos, o período experimental já foi, entretanto, revertido para os 90 dias originais, mas para os demais mantém-se atualmente os 180 dias fixados em 2019. O projeto de lei do PCP aprovado, esta quarta-feira, vem, contudo, revogar o alargamento em questão, o que significa que, a receber o “sim” final do Parlamento, também esses trabalhadores voltarão a ter de cumprir um período experimental mais curto.
Assim, seria revertida uma das medidas mais polémicas e criticadas da revisão mais recente do Código do Trabalho. Uma medida que a esquerda já disse ter sido responsável pelo agravamento da situação de desproteção de milhares de trabalhadores durante a pandemia, já que, por terem estado nesses 180 dias no início da crise sanitária, foram “os primeiros” a serem dispensados pelos empregadores.
Adeus, contratos especiais de muita curta duração?
Outra das medidas polémicas do Código do Trabalho que agora pode chegar ao fim, à boleia do projeto de lei viabilizado pelo PS, são os contratos especiais de muita curta duração.
Até 2019, essa figura estava disponível apenas para a atividade sazonal do setor agrícola ou para eventos turísticos, não podendo exceder os 15 dias.
A partir de outubro de 2019, deu-se, contudo, um duplo alargamento dos contratos de muita curta duração. Por um lado, a duração máxima passou para 35 dias. Por outro, ficaram disponíveis para todos os setores de atividade, desde que o empregador tenha um “acréscimo excecional e substancial da atividade, cujo ciclo anual apresente irregularidades decorrentes do respetivo mercado ou de natureza estrutural”.
O projeto de lei do PCP, que desceu à especialidade, vem agora pôr um ponto final nesse tipo de contrato, revogando-o por completo.
Contratação a prazo prestes a ficar mais limitada
Há também pontos em que o diploma comunista não reverte as medidas de 2019, mas aprofunda-as. É o caso das limitações aos contratos a prazo.
No caso dos contratos a termo certo, até 2019, era possível renová-lo três vezes até ao máximo de três anos. A partir de 2019, manteve-se o número máximo de renovações, mas a duração limite baixou para dois anos. Agora, com a aprovação do projeto do PCP, os contratos a termo certo poderão passar a ser renovados, no máximo, por duas vezes e as partes poderão deixar de conseguir estipular, à partida, que o contrato não fica sujeito a renovação.
Já no que diz respeito aos contratos a termo incerto, até 2019, podiam durar até seis anos. Com a revisão de 2019, esse limite baixou para quatro anos. E agora o PCP, apoiado pelo PS, quer reduzi-lo para três anos.
Outra das medidas incluídas no projeto de lei, agora aprovado na generalidade, é a redução das situações em que é possível recorrer à contratação a termo, aprofundando o caminho já começando em 2019. A revisão do Código do Trabalho desse ano fez com que deixasse de ser possível celebrar contratos a termo certo para a contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração — continuou a ser possível, contudo, fazê-lo com desempregados de muita longa duração — e deixou claro que só é permitido o recurso a esse tipo de contratos, em caso de lançamento de nova atividade, em empresas com menos de 250 trabalhadores (antes, esse teto estava nos 750 trabalhadores).
O PCP quer agora retirar, de todo, a possibilidade de contratar a termo certo pelo lançamento de nova atividade e travar a contratação a termo também no caso do recrutamento de trabalhadores em situação de desemprego de muita longa duração.
Aliás, os comunistas querem reduzir a três os motivos que podem justificar a celebração de contratos a termo resolutivo: a substituição temporária de trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço ou em relação ao qual esteja pendente em juízo ação de apreciação da licitude do despedimento; Atividades sazonais; e a execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro
Desta forma, o PCP, com o apoio do PS, retira da lei laboral as outras definições de “necessidade temporária”, que tinham sido deixadas no Código do Trabalho em 2019, como a substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado, o acréscimo excecional de atividade da empresa e a execução de obra, projeto ou outra atividade definida e temporária.
Também no que diz respeito à contratação a termo, o projeto de lei comunista deixa claro que o regime previsto na lei não pode ser afastado ou modificado, de todo, por instrumento de regulamentação coletiva. Até 2019, por essa via, era possível, de resto, alterar os limites de duração e renovações e, a partir desse ano, passou a ser apenas possível modificar o que se entende por “necessidade temporária da empresa” e o regime de preferência na admissão.
Ainda nos contratos a termo, os comunistas querem deixar claro que tais documentos devem conter a categoria do trabalhador ou conteúdo funcional — em vez da atividade do trabalhador — e o horário de trabalho — além do período normal de trabalho e o local de trabalho.
E a propósito da preferência na admissão, o PCP quer reforçar esse direito, defendendo, no projeto de lei agora aprovado, que comece a valer logo durante o contrato e que a sua violação seja sinónima da anulação do processo de recrutamento ou de uma indemnização equivalente a seis vezes a retribuição base. Até aqui, essa violação levava a uma indemnização bem menos pesada, isto é, três vezes a retribuição base do trabalhador em causa.
Outra das medidas incluídas no projeto de lei comunista é o aumento do período em que empregador não pode fazer novas admissões a prazo, depois de cessação de um contrato a termo por motivo não imputável ao trabalhador. Atualmente, não pode fazê-lo “antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações”. Mas o PCP quer que não possa fazê-lo “antes de decorrido um tempo equivalente a metade da duração do contrato, incluindo renovações”.
Ainda sobre esse ponto, os comunistas entendem que a violação desse prazo deve fazer com que o novo contrato a termo celebrado pelo empregador seja considerado sem termo e que, mesmo que não haja violação desse prazo, se estiver em causa o mesmo posto de trabalho, tal conversão aconteça, mecanismos que não encontram qualquer vestígio na legislação hoje em vigor.
Presunção de contrato de trabalho ganha novos contornos
Por outro lado, o projeto de lei aprovado com o aval do PS mexe num mecanismo que o próprio Governo está também a estudar mudar numa outra sede, isto é, no âmbito do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho. Em causa está o artigo n.º 12 do Código do Trabalho: o mecanismo de presunção de contrato de trabalho.
Atualmente, pode presumir-se que existe um contrato de trabalho, quando se verifica “alguns” dos seguintes pressupostos: a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma.
Ora, o PCP quer reforçar esse mecanismo, especificando que devem estar presentes não “alguns” desses pressupostos, mas, pelo menos, dois e acrescenta dois pontos à referida lista de características que podem levar ao reconhecimento de contrato: a dependência económica e a situação do prestador de atividade estar sob orientação do beneficiário da atividade.
Além disso, os comunistas querem deixar claro que a existência de, pelo menos, dois pressupostos deve dar lugar a um contrato de trabalho sem termo, considerando que este teve início desde o começo da prestação da atividade do trabalhador.
Sanções para empregadores que promovam precariedade
Por outro lado, o projeto de lei do PCP adita ao Código do Trabalho um novo artigo que estipula sanções económicas, fiscais e contributivas para empregadores que recorram à precariedade, bem como a obrigatoriedade de abrirem um processo de recrutamento para o preenchimento do posto de trabalho em questão, no prazo de um mês. Entre as sanções, está, por exemplo, a proibição de a empresa se candidatar e de receber, durante o prazo de três anos, fundos comunitários ou qualquer tipo de apoio do Estado ou de receber, durante o prazo de dois anos, qualquer tipo de benefício ou isenção fiscal.
Este projeto de lei — que mereceu os votos contra apenas do PSD, CDS-PP e Iniciativa Liberal — segue agora para a Comissão de Trabalho, para ser analisado, discutido e, eventualmente, alvo de propostas de alteração, não sendo, por isso, certo o que virá a ser efetivamente mudado no Código do Trabalho e que medidas de 2019 serão apagadas da lei laboral.