Bruno Faria Lopes
05 de julho
A reitoria, liderada por Maria de Lurdes Rodrigues, é acusada de forçar a alteração da ata de uma prova de mestrado, na qual uma professora alegou que um membro do júri tinha conflito de interesses.
Em meados de janeiro deste ano, Daniela Duarte defendeu a sua tese de mestrado em contabilidade no ISCTE, com o sugestivo título “Análise de Bandeiras Vermelhas indiciadoras de fraude: o caso Caixa Geral de Depósitos”. Teve 15 valores. Daniela, 23 anos, esperou pelos 15 dias úteis que a faculdade tinha para emitir o seu diploma, mas este só chegaria cinco meses mais tarde, já depois de a aluna ter enviado duas cartas à reitora, a última com apoio de uma advogada. O seu diploma estava retido no meio de uma batalha que começou por ser entre docentes e que acabou por envolver a direção e a reitora da faculdade. Daniela tem o diploma, mas a batalha no ISCTE ainda não terminou – e envolve uma acusação de falsificação de ata, dirigida ao topo da faculdade liderada por Maria de Lurdes Rodrigues.
A história começa na prova pública de defesa da tese. Nas provas há sempre perguntas e comentários do júri – sobretudo do arguente, que é o examinador principal –, mas a dureza da intervenção do arguente Ilídio Tomás Lopes, professor no ISCTE, surpreendeu quem assistiu. “Foi bastante agressivo na forma como falou comigo, quase como se eu estivesse a cometer um crime”, relembra Daniela Duarte à SÁBADO. “Disse que eu deveria ter medo do que estava a publicar”, junta. A crítica principal era de que a aluna não conseguia provar que os indícios que identificava correspondiam a fraude – e de que aquela tese não podia ser tornada pública.
O professor confirmou a intenção de restringir o acesso à tese no momento de avaliar a aluna. “Face à sensibilidade da temática e ao rigor do documento, sou da opinião que o documento seja disponibilizado nos repositórios oficiais com acesso reservado/restrito”, escreveu na ata oficial a que a SÁBADO teve acesso. A orientadora da tese, Maria do Rosário da Veiga, também professora no ISCTE, ripostou. “Esta tese trata apenas de analisar sinais de alerta, não de corroborar a existência de fraude”, escreveu. Mas foi mais longe e apontou que o colega arguira a tese “em conflito de interesses”, facto que afirmara já no debate prévio entre os três membros do júri sobre a classificação da aluna. Ilídio Lopes, auditor e administrador não executivo no banco Eurobic, lidera o programa Audax no ISCTE, que no seu site identifica a Caixa como um dos parceiros. A professora juntou estes dois factos em folhas anexas à ata.
Os serviços de gestão da escola apanharam estas originalidades na ata e travaram a emissão do diploma à aluna, alegando um problema de proteção de dados do professor visado (as folhas anexadas tinham informação pública tirada do site do ISCTE). A direção da escola, e mais tarde o gabinete da reitora, começaram então a instar os membros do júri a destruírem a ata e a substituírem-na por outra. A reitora do ISCTE não queria uma ata pública com um professor a pedir acesso restrito a uma tese de mestrado – algo que, segundo o regulamento, não tem legitimidade para fazer – mas, acima de tudo, não queria ver ali uma alegação de conflito de interesses, que um parecer de uma jurista da própria faculdade, não corroborava.
Ilídio Tomás Lopes concordou em alterar a ata, mas Maria do Rosário da Veiga apontou que a alteração de uma ata de uma prova pública, depois de exarada e assinada pelos membros do júri, viola a lei e é um crime. Ao longo de Março, Abril e parte de Maio, várias dirigentes dos órgãos da faculdade – da diretora da escola de gestão à chefe de gabinete da reitora Maria de Lurdes Rodrigues – terão reunido ou contactado com a professora, segundo apurou a SÁBADO, para pressioná-la a substituir a ata. Até que, já perto do final de Maio, a presidente do Conselho Científico, Luísa Lima, eliminou da ata as referidas passagens dos dois professores, incluindo a contra-argumentação técnica da orientadora da tese face às críticas do seu colega.
A SÁBADO sabe que numa reunião recente do Conselho Geral, um órgão de supervisão da faculdade, o tema foi levantado por Maria do Rosário da Veiga, que sustenta que a nova ata é um documento ilegal e falsificado. A SÁBADO perguntou à reitora Maria de Lurdes Rodrigues sobre a razão da alteração, a justificação jurídica que permitiu expurgar partes inteiras de uma ata pública e sobre se ligou à professora em causa a exigir que concordasse em alterar a ata. “A situação referida está neste momento entregue aos órgãos competentes da instituição, pelo que não é possível prestar qualquer declaração, por dever de reserva e sigilo”, respondeu fonte oficial. Ilídio Tomás Lopes e Maria do Rosário da Veiga não quiseram prestar declarações.