Tiago Varzim
5 Maio 2022
Questionado sobre as declarações dos membros do BCE, o governador do Banco de Portugal recomendou “calma e ponderação nessas comunicações”. Centeno mete travão numa subida dos juros já em julho.
O governador do Banco de Portugal considera que é preciso ter “calma e ponderação” nas declarações sobre as decisões do Banco Central Europeu (BCE) relativa à subida dos juros que se prevê para este ano. Esta é a reação de Mário Centeno às frases de Isabel Schnabel, que admitiu uma subida dos juros em julho, e de Fabio Panetta, que prefere adiar o aumento para setembro, ambos membros da comissão executiva do BCE.
“Há uma característica do processo de tomada de decisão de política monetária que é muito importante ter em mente: quando o BCE diz que age dependente dos dados isso é absolutamente verdade“, afirmou Mário Centeno na conferência de imprensa de apresentação do boletim económico de maio do Banco de Portugal, recomendando logo a seguir “alguma calma e ponderação nessas comunicações” de Schnabel e Panetta.
E foi mais além, questionando a que dados terão acesso que outros governadores não têm: “Ou somos dependentes dos dados ou alguém tem acesso a informação que não está disponível a todos e há aqui uma assimetria“, disse, referindo mais tarde que tenta “não privilegiar” a produção de “declarações antes do tempo”, seja porque se tem “informação não pública ou por grande convicção”.
Na terça-feira, a economia alemã Isabel Schnabel, membro da comissão executiva do BCE, disse numa entrevista que “com base na perspetiva atual, um aumento dos juros em julho é possível, na minha opinião”, ressalvando que será preciso “esperar para ver como é que os dados evoluem até ao momento da decisão”. “Falar já não é suficiente, temos de agir”, acrescentou. No final de abril tinha sido a presidente do BCE, Christine Lagarde, a dizer que havia uma “forte probabilidade” de subida dos juros este ano.
Esta quinta-feira, o economista italiano Fabio Panetta, membro da comissão executiva do BCE, concordou que o banco central deve começar a subir as taxas de juro, mas não o deverá fazer em julho: “Seria imprudente agir sem antes termos visto os números do PIB para o segundo trimestre e de discutirmos medidas adicionais sem termos um conhecimento completo sobre como a economia poderá desenvolver“, disse. Esses dados só serão conhecidos no final de agosto pelo que, assim, uma subida dos juros só poderia acontecer em setembro.
No final de abril, a presidente do BCE, Christine Lagarde, já tinha dito que “se a situação continuar tal como se prevê atualmente, há uma forte probabilidade de os juros virem a ser aumentados antes do final deste ano“. A dimensão do aumento e a frequência dos aumentos dependem dos números que chegarem à mesa do conselho de governadores durante os próximos meses, explicou.
Centeno diz que “é desejável” subir os juros, “mas só quando for seguro fazê-lo”
Em resposta a questões dos jornalistas, Mário Centeno concretizou que “é desejável” que o BCE suba os juros para normalizar a política monetária, mas advertiu que tal “só” deve acontecer “quando for seguro fazê-lo”. Isto é, explicou mais tarde, quando essa subida dos juros não colocar em risco a recuperação da economia europeia, levando-a para uma estagnação ou até recessão em vez de completar a retoma pós-pandemia.
O economista considera que “o que mais preocupa” os agentes económicos é que o BCE tome decisões de “sobrereação que coloque em causa a retoma económica, a qual ainda não está concluída”. “A estagnação da economia da Zona Euro faz parte do espetro dos cenários possíveis. Não está afastada“, admitiu Centeno, concordando com ideia de Panetta de que é necessário esperar pelos dados do PIB no segundo trimestre dado que. Porém, também reconheceu que “a inflação é um risco para a economia”, daí a preocupação dos bancos centrais.
“Estagnação ou mesmo recessão, mais aceleração da inflação, não são os melhores amigos dos bancos centrais“, admitiu. Apesar das dificuldades, o governador do Banco de Portugal argumenta que o BCE tem “todos os instrumentos para agir no sentido de continuar a apoiar e a estimular a retoma da Zona Euro”, garantindo “condições de financiamento para todos os setores”, e isso “ser compatível, o que é absolutamente crucial, com as expectativas de inflação de médio prazo estarem ancoradas preferencialmente a 2%”.
Neste difícil equilíbrio de lutar contra a aceleração da taxa de inflação na Zona Euro, já nos 7,5% em abril, e manter a retoma em andamento, Mário Centeno argumentou que o BCE tem tido uma “flexibilidade enorme” na gestão da política monetária e que esta tem de se tornar “mais neutra”, mas advertiu para o facto de tal não ter um “efeito imediato”, como têm as medidas da política orçamental, mas um “efeito desfasado”.
Nas próximas reuniões de política monetária do BCE, “vamos olhar para os lados e tentar retirar daí os melhores ensinamentos para a política monetária”, garantiu. “A subida de taxas, quando acontecer, e a normalização da política monetária é muito importante e vai acontecer“, afirmou, lembrando que “não nos devemos convencer que os níveis de taxas de juro em 2020 eram os níveis desejáveis” dado que tal refletia problemas estruturais na economia da Zona Euro.
Em relação aos salários, Mário Centeno disse que esta era uma “variável muito escrutinada pelos bancos centrais”, mas que não pode ser avaliada numa “perspetiva de curto prazo”. Para já, não vê pressões estruturais nos salários na Zona Euro, mas isso pode ser “reavaliado perante novos dados” nos próximos meses. E, mais uma vez, recomenda “muita cautela na avaliação das atualizações salariais”.
Como tem feito Lagarde, Centeno recusou comparações com a Reserva Federal norte-americana que aumentou os juros em 50 pontos base na reunião desta quarta-feira, argumentando que nos Estados Unidos houve “muita gente que saiu do mercado de trabalho”, o que criou pressões inflacionistas acrescidas, uma “preocupação que não temos na Europa”.
Com a subida das taxas de juro das dívidas públicas no mercado secundário, Centeno recordou que a fragmentação na Zona Euro “deve sempre manter-nos preocupados”, mas que atualmente “é um risco que não existe nem tem existido”.
(Notícia atualizada às 12h51 com mais declarações)