28 Abril 2022 – 17:54
Diogo Cavaleiro
Isabel Vicente
Não há condenação nem absolvição: o Tribunal de Santarém decidiu enviar o processo para Luxemburgo para esclarecimento de uma das matérias levantadas durante o julgamento. Caso arrisca prescrição
Não há sentença judicial final do cartel da banca, porque o processo vai ter de ir para esclarecimentos para o Tribunal de Justiça da União Europeia. O caso será suspenso até vir a resposta desta instituição europeia ao Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém.
“Determina-se a suspensão da seguinte instância”. A decisão foi dada a conhecer esta quinta-feira, 28 de abril, pela juíza Mariana Machado, sobre um caso que começou a ser investigado em 2012 pela Autoridade da Concorrência (a partir de uma denúncia feita pelo Barclays) e que diz respeito a factos praticados entre maio de 2002 e março de 2013.
Houve intercâmbio de informação sensível entre os bancos, como spreads, concluiu o tribunal, mas a juíza considera que não é óbvio que ela consubstancia uma infração à legislação da concorrência. E por isso remete o processo para que seja o Tribunal de Justiça da União Europeia a pronunciar-se sobre a legalidade dos factos dados como provados no julgamento.
Só depois da decisão chegar é que o Tribunal de Santarém pode tomar uma decisão. A juíza pediu uma decisão rápida.
“Considerando que em meados de Abril de 2022 foi atribuída natureza urgente a estes autos por risco de prescrição, considerando que subsequentemente haverá que retomar a decisão da causa ainda neste Tribunal, considerando que a sentença admite, ainda, recurso ordinário para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, assim como admite para o Tribunal Constitucional, afigura-se adequado, em observância da Recomendação do TJUE atinente ao Estatuto do Tribunal de Justiça, peticionar o acionamento do mecanismo de tramitação acelerada”, aponta a sentença.
A juíza determina a suspensão dos prazos de prescrição enquanto há a suspensão do processo.
FACTOS PROVADOS, MAS SEM DECISÃO FINAL
A AdC lançou o procedimento de contraordenação por acreditar que os bancos trocaram informação entre si que considera sensível, que deveria ter sido guardada internamente, já que partilhada poderia influenciar a concorrência. Nessas informações estão condições comerciais, incluindo tabelas de spreads e spreads negociados nos vários empréstimos, e volumes de produção de crédito.
A juíza, ao longo da sentença, concluiu que estas trocas efetivamente aconteceram, e que o intercâmbio de informação ocorreu mesmo. Agora, se ela é uma infração à lei da concorrência, não é certo. O processo é visto como inédito na Europa.
Paulo Macedo, presidente da CGD
DEPOIMENTOS SEM CREDIBILIDADE
Apesar disso, a juíza concluiu que não houve explicação racional dos depoentes apontados pelos bancos sobre as trocas de dados internos entre si. “Não serviam para nada”, não usavam a informação obtida para “nada”, “era apenas comodismo” foram respostas dadas citadas na sentença, que não mereceram “credibilidade”. “Os documentos atestam o empenho dos funcionários na obtenção da informação”, leu a juíza.
Na sua decisão, a juíza foi referindo provas testemunhais de funcionários envolvidos nas trocas de informação sensível dos bancos. Fez um resumo dos testemunhos que confirmaram haver troca de informações entre os bancos concorrentes e em alguns casos o facto de as chefias darem orientações para que se fizessem os contactos, fornecendo até uma lista de pessoas de outras entidades a contactar.
Fazia parte das funções destes trabalhadores contactar os concorrentes por e-mail ou telefone e recebiam orientações para perguntar pela grelha completa de spreads, diferente da informação que constava do site dos bancos, apenas os spreads mínimos e máximos.
A juíza também citou, além dos testemunhos dos trabalhadores que trocavam informação, o teor de vários e-mails que atestam o intercâmbio de comissões, grelhas de spread e valores de produção. “Olá meu amigo, só para ti. Já falamos”, era o que constava de uma das mensagens eletrónicas enviadas, seguindo informações e várias grelhas, classes de risco, entre outras.
Miguel Maya, presidente executivo do BCP. Fotografia: Ana Baião
PRESCRIÇÃO A UM ANO (E ALGUNS MESES)
Na sua decisão, a juíza mencionou que as defesas apresentaram inúmeros articulados de defesa que eram “exógenas” ao que estava a ser decidido, de milhares de páginas num processo já de si com muitos anos. A juíza considerou que as questões prévias levantadas pelas defesas foram “consideradas improcedentes”, como a questão relativa à nulidade das buscas, classificando que “a intervenção da AdC foi decidida e adequada”.
Este é um dos processos mais relevantes no sector bancário e um que diz respeito à atuação comercial das instituições financeiras e não tanto a infrações na sua gestão, como os que são tema nas contraordenações levantadas pelo Banco de Portugal.
Esta decisão de suspensão tomada pelo tribunal de Santarém ocorre a sensivelmente um ano da prescrição dos factos, apontada para março de 2023 – ainda que possa ser estendida por alguns meses devido à flexibilidade da época de covid e não haja uma data concreta concluída entre as partes. De qualquer forma, há espaço para recursos para o Tribunal da Relação e, depois, possivelmente ainda para instâncias superiores.